quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O enterro do relógio

A história aconteceu na estação mais quente do ano. Na noite daquele sábado o calor estava acima do normal para a época. O jovem Roberto foi dormir mais tarde do que estava habituado. O som do despertador do aparelho celular acabou com o silêncio do quarto. Ainda sonolento o rapaz acordou meio atordoado. A ansiedade atrapalhou o seu merecido descanso. O tão esperado dia enfim tinha chegado após meses de muita preparação e sacrifícios. Sentia-se muito bem preparado para fazer à prova do concurso público do Banco do Brasil.

Os primeiros raios de sol anunciavam que aquele dia de domingo seria escaldante. Para não correr o risco de chegar atrasado saiu bem cedo de casa. No percurso até a escola Joaquim Murtinho recapitulou mentalmente toda a sua vida. Era impossível ficar tranquilo diante da importância do que estava em jogo. O desejo de ter condições financeiras para deixar a casa dos pais e ir morar sozinho o motivara a estudar como nunca.

O portão da escola foi aberto com trinta minutos de antecedência. Ele entrou na sala mais sério do que de costume, sem olhar para os lados sentou-se pacientemente e aguardou as instruções.

Após dar as boas vindas o fiscal começa a passar as orientações de praxe, tudo dentro do esperado, exceto pelo último aviso. Em alto e bom som o homem afirmou que quem estivesse portando algum tipo de relógio contendo a função calculadora deveria tirá-lo. Se fosse encontrado alguém portando esse tipo de objeto, o candidato seria desclassificado imediatamente.

O jovem Roberto ficou desesperado, pois ele estava usando um relógio exatamente como essa característica. O que fazer diante de tal situação? Obviamente que a atitude a ser tomada era simples. Qualquer pessoa em sã consciência tiraria o relógio do pulso e o entregaria ao fiscal de sala até o término da prova, mas o desfecho da história foi no mínimo inusitado.

Antes que o fiscal pudesse terminar a sua fala uma mão foi levantada chamando a atenção de todos. Aparentando estar muito nervoso Roberto pediu para ir ao banheiro. Ao receber a permissão para deixar o local, saiu correndo pelo corredor. Os outros candidatos riram da cena. Alguém gritou do fundo da sala: “Corre se não vai molhar as calças”. Os minutos passaram e nada do Roberto voltar. O fiscal começou a ficar preocupado e os demais candidatos impacientes. Finalmente ele aparece à porta. O espanto foi geral. A pessoa que voltou parecia ser outra. Os cabelos estavam despenteados, a roupa toda amarrotada, os dedos das mãos completamente sujos. Ofegante pediu para entrar. O fiscal perguntou se estava tudo bem e Roberto balançou a cabeça positivamente. Todos os olhares estavam sobre ele. Envergonhado, entrou cabisbaixo e sentou-se na cadeira silenciosamente.

O que teria acontecido? Era o que todos queriam saber. Um mistério que só um deles viria a desvendar.

A prova começa. Todos concentrados. Roberto foi o último a entregar o cartão com a as respostas. Saiu da sala com uma fisionomia de desânimo. De alguma maneira sentiu que o incidente com o relógio prejudicou o seu desempenho. Ao passar pelo portão de entrada alguém o segurou pelo braço. A curiosidade não deixou que um colega de sala fosse embora sem antes saber o que havia acontecido naquele banheiro.

O colega se apresenta e vai logo perguntando sobre o incidente no banheiro. Ao ser questionado Roberto desconversa e tenta ir embora, mas o ser presionado acaba cedendo e concorda em contar todos os detalhes. Sentaram num banco em frente à escola e a verdade foi enfim revelada.

-O que aconteceu com você no banheiro? Foi assaltado? Passou mal? Bateram em você? Pelo amor de Deus me fale cara! Disse Douglas.

-É... Eu... Bem...

- Vamos!Desembucha!

-Está bem, eu vou contar, mas ninguém pode ficar sabendo. Só te conto se você prometer pra mim que ninguém irá saber. Ao sussurrar tais palavras Roberto olha desconfiado ao seu redor para ter certeza de que ninguém o observa.

-Está bem. Eu prometo.

- Quando o fiscal falou que ninguém poderia usar um relógio com calculadora só pensei em escondê-lo o mais rápido possível. Sai correndo no desespero para tentar achar um esconderijo. Atrás dos banheiros tem uma árvore, notei que o solo estava úmido, não pensei duas vezes, com as mãos comecei a cavar um buraco para enterrar o relógio. Coloquei o relógio dentro do buraco e joguei terra por cima. Sem querer acabei me sujando todo. Por causa da pressa nem tive tempo de entrar no banheiro para me limpar. Corri para a sala assim mesmo. E se eu fosse desclassificado por causa do relógio?

- Por que você não tirou o relógio do pulso e colocou no envelope que o fiscal deu para que todos pudessem colocar os objetos pessoais? Quando você saiu correndo da sala ele estava falando sobre isso. Você não percebeu que na frente da sala havia uma mesa com vários envelopes lacrados contendo as nossas coisas?

-Quando entrei na sala não percebi nada. Só olhei para baixo e não vi mais nada na minha frente.

-Nunca ouvi uma história como essa. É inacreditável! Sem conseguir conter o riso o rapaz começa a rir chamando a atenção das pessoas que passavam pelo local. Roberto vai embora chateado com a reação do colega.

Passaram-se cinco anos e o que aconteceu naquele dia parecia fadado ao esquecimento, mas o destino não quis que aquela história fosse esquecida para sempre.

Numa certa manhã fria de terça-feira Douglas chega apressado a uma agência do Banco do Brasil no município de Dourados. Ele passa pela porta giratória retira uma senha e espera na fila para poder sacar certa quantia em dinheiro. Enquanto espera um senhor que também estava na fila pergunta a uma estagiária do banco se há alguma calculadora disponível que ele possa usar. Quando Douglas ouve a palavra calculadora imediatamente vem a sua mente a história do enterro do relógio e então ele começa a rir sem conseguir se controlar. O seu comportamento acaba chamando a atenção de todos. Outra estagiária o aborda perguntando se ele está bem. Antes de dar uma resposta, Douglas coça a cabeça e pensa que se contar a verdade para ela o Roberto nunca iria descobrir, pois ele o havia visto uma única vez e nem ao menos sabia do seu paradeiro. Tinha guardado fielmente o segredo por cinco anos, já era hora de alguém saber, além do mais, pensou que não foi culpa sua ter ouvido a palavra calculadora e muito menos o fato de ser questionado sobre o motivo da sua risada.

A moça ouve atentamente toda a história. No final, não se aguenta e começa a rir também. Para não chamar muito a atenção pede licença para o Douglas e sai com a mão na boca tentando disfarçar. A estagiária contou para um colega que contou para outra pessoa e assim, no final do expediente bancário todos os funcionários ficaram sabendo. O gerente foi um dos que mais se divertiu. Riu tanto que teve que ir lavar o rosto no banheiro.

Uma semana depois um funcionário do banco volta de férias e a primeira coisa que fica sabendo é sobre o tão falado enterro do relógio. Surpreendentemente, ele não acha graça nenhuma e ainda fica muito irritado com os colegas. Por que ele não gostou? Por que o nome dele era Roberto.

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