domingo, 12 de setembro de 2010

Lembranças da infância

No ano de 1984 minha familia mudou-se para a cidade de Coronel Sapucaia. A viagem foi muito cansativa. Os poucos bens que possuíamos estavam dentro do velho caminhão que o meu pai possuía. Por alguma razão que desconheço o Paraíba (apelido do meu pai) sempre gostou de trabalhar como borracheiro e caminhoneiro.
Depois de nos instalarmos na nova casa, meu pai montou uma borracharia numa região cercada de madeireiras. Muitos caminhões passavam por ali. A cidade era pequena, mas o fluxo de veículos pesados era grande. Não tínhamos (eu e meu irmão) muito tempo livre, pois num período do dia estudávamos e no outro trabalhávamos na borracharia. Quando sobrava um tempinho, íamos jogar bola num campinho que ficava perto de casa. Apesar de ser um menino franzino e muito doente, nunca tive nenhum privilégio por isso. Meu pai filosofava que o homem deve trabalhar desde pequeno para não virar vagabundo. Na maior parte do tempo, eu e meu irmão é que tomava conta do negócio (consertar pneus de veículos). Um trabalho muito pesado para crianças desempenharem. A alimentação precisava ser reforçada, mas...
A vida estava cada vez mais difícil para nós. Sempre faltava comida. A euforia só vinha quando algum conhecido nos convidava para visitar alguma chácara da região. Por que a euforia? Por que haveria a chance de trazer alguma coisa de comer para casa.
Os carros que o meu pai comprava eram velhos, barulhentos e sempre quebravam. Na época, o veiculo da família era um Corcel em péssimo estado de conservação. Recebemos um convite para visitar um amigo do meu pai que morava a alguns quilômetros da cidade. Em hipótese alguma, um convite como esse era rejeitado. Lá fomos nós para a chácara, na volta, o carro veio repleto de: melancia, milho, laranja, banana entre outras coisas. A fartura enfim tinha chegado a minha casa. Um fato raro durante toda a minha infância e juventude. Normalmente, o cardápio consistia de arroz, feijão (quando tinha), bolinho de trigo, de vez em quando um ovo cozido ou frito e pés de galinha fritos.
A falta de comida foi ficando cada vez pior. Certo dia, não havia quase nada para cozinhar para o almoço, qual não foi a nossa surpresa ao receber do nosso pai um saco (mais de 10 quilos) cheio de feijão. Talvez você esteja pensando; até que enfim uma boa noticia! Ao abrir a boca do saco constatamos que o feijão estava cheio de bichos, além de estar exalando um forte odor. A minha mãe protestou muito sobre a qualidade do feijão, mas, ou ela cozinhava, ou não teríamos o que comer naquele dia. Penso que aquele feijão ia ser jogado fora por alguém e o meu pai pediu. Não sei o que ele falou, mas com certeza inventou alguma história. Só restava a minha mãe cozinhar aquele feijão e foi isso mesmo o que ela fez por vários dias. Comemos feijão estragado até que o saco se esvaziasse.
Quando há a necessidade nos sujeitamos a fazer coisas das quais não gostaríamos. A fome é terrível, só quem a sentiu é que pode entender perfeitamente o que estou afirmando. Hoje, fico horrorizado ao relembrar histórias como essa. Infelizmente, essa realidade ainda está presente em milhões de lares espalhados pelo país. A alimentação é indispensável para a sobrevivência da espécie humana, mas existe ainda muito que se fazer nesse sentido. A fome tem ceifado a vida de milhares de pessoas. Felizes são os que ainda têm alguma coisa para servir aos seus filhos.

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